A Cidade como objeto de estudo: conceções e correntes de pensamento sobre as cidades

Como é que a cidade se foi constituindo como objeto de estudo?

As cidades vêm assumindo um protagonismo cada vez maior, como objeto de estudo, nos quadros teóricos e empíricos das ciências sociais e, em particular, da sociologia.

Podemos, hoje, falar de cidades como atores sociais complexos e multidimensionais, assevera Jordi Borja (1997) sustentando a sua afirmação com o protagonismo crescente que, nos últimos anos, as cidades vêm adquirindo na vida política mas também económica, social, cultural e mediática. O autor atribui a fase inicial desse protagonismo à crise económica mundial dos anos 1970, que terá provocado uma reação pronta por parte dos governos locais, mas também dos principais atores económicos e sociais das cidades. Além de terem concentrado energias para atrair investimentos, gerar emprego e renovar as bases produtivas das cidades, os governos locais concertaram esforços com aqueles outros atores económicos e sociais para a promoção das cidades que passariam, então, a ser encaradas como forças motoras do desenvolvimento económico (Gomes, 2013).

Futurama. Fonte: http://futurama.wikia.com/wiki/New_New_York?file=New_New_York_Cityscape.jpg



Contudo, nem sempre foi assim. Na sociologia clássica, o tema da cidade nunca foi tratado pelos fundadores da sociologia: os franceses Auguste Comte e Émile Durkheim. Em contrapartida, foram os alemães – com uma perspetiva multidisciplinar (economia, direito, filosofia, política, literatura) – que descobriram a cidade como um tema central da sociologia: por ser um lugar central também na modernidade.
Max Weber, Werner Sombart, Karl Marx, Friedrich Engels e Georg Simmel estiveram na origem das primeiras escolas de sociologia urbana e influenciaram as pesquisas que se seguiram, no campo da sociologia em geral e da sociologia urbana em particular.

A excelência dos seus trabalho, que ainda hoje se mantém, consistiu:
  • Na capacidade de antecipação de fenómenos que, na sua época, ainda não eram facilmente percetíveis;
  • No distanciamento crítico em relação àquilo que viria a ser chamado de modernidade, cujos efeitos passaram a manifestar-se no espaço urbano.
A partir de meados do século XIX, estes autores analisaram as grandes transformações sociais decorrentes dos rápidos processos de industrialização e de urbanização – contexto das suas obras.

Todas as sociedades industriais modernas são fortemente urbanizadas. "A forma mais extrema da estrutura urbana atual é representada pelo que se designou como megalópolis, a «cidade das cidades». O termo foi cunhado na Grécia Antiga para designar a cidade-estado planeada para ser a inveja de todas as civilizações, mas o seu uso corrente tem pouca relação com esse sonho" (Giddens, 2000: 561).

Na visão síntese de Anthony Giddens (2000: 561 e 562):

     "Só na viragem para o século XX é que os estatísticos e observadores sociais começaram a estabelecer a distinção entre cidade e campo. Reconheceu-se que as cidades com muita população eram mais cosmopolitas do que os centros mais pequenos e que estendiam a sua influência para além da sociedade nacional a que pertenciam.
     A expansão das cidades é uma consequência do aumento da população, bem como da migração de pessoas das zonas rurais [...]. Esta migração tinha frequentemente um caráter internacional, com as pessoas das áreas rurais a mudarem-se para as cidades de outros países [...]. Desta forma, as cidades tornaram-se centros onde se concentrava o poder industrial e financeiro e, por vezes, os empresários criavam cidades novas a partir do nada. Chicago, que cresceu até  ter bem mais do que 2 milhões de habitantes em 1900, foi implantada numa região quase desabitada até aos anos 30 do século XIX."

A preocupação com a delimitação perfeita do número de habitantes para as cidades, bem como a amplitude da variação demográfica mais frutífera para a definição de uma cidade pequena ou média não é, todavia, nova. Era já visível no planeamento das cidades da Grécia Antiga, com os escritos de Platão e Aristóteles a indicarem limites mínimos e máximos para o bom funcionamento das cidades, da cidadania e do Estado (Gomes, 2013). Na verdade, esta preocupação deu origem, nos últimos séculos, a uma série de visões idealizadas para as cidades ou, nas palavras de Leonardo Benevolo, a “formas alternativas de fixação, descritas pelos utopistas” (Benevolo, 1995: 182)
 Novamente, na visão síntese de Anthony Giddens (2000: 561 e 562):

     "O desenvolvimento das cidades modernas teve um impacto enorme não apenas nos hábitos e formas do comportamento, como também nos padrões de pensamento e dos sentimentos. Desde o princípio dos grandes aglomerados urbanos, no século XVIII, tem-se verificado uma polarização das opiniões sobre os efeitos das cidades na vida social - o que ainda hoje sucede. Alguns encaravam as cidades como representantes da «virtude civilizada», a fonte de dinamismo e da criatividade cultural. Para estes autores, as cidades maximizavam as oportunidades de desenvolvimento cultural e económico e proporcionavam uma existência confortável e agradável. [...] Outros estigmatizaram a cidade como um inferno cheio de fumo e de multidões agressivas e desconfiadas, carregada de crimes, violência e corrupção."

Estas transformações estimularam, desde cedo, pensadores que se preocupavam com as questões da urbanidade e do urbanismo e deram corpo a várias escolas de pensamento sobre as cidades.

De seguida (em artigos autónomos), serão exploradas as seguintes conceções e correntes de pensamento sobre as cidades:
         
          1. Os Utopistas
              Thomas More, Robert Owen, Charles Fourier, Jean Baptiste Godin,
              James Silk Buckingham, Benjamin W. Richardson, Ebenezer Howard
          2. O pensamento alemão
               1ª Geração: Max Weber e Werner Sombart
               2ª Geração: Georg Simmel e Walter Benjamin
              Desenvolvido por pensadores alemães em Inglaterra: Karl Marx e Friedrich Engels
          4. A Escola Americana - Chicago
              Robert Park, Ernest Burgess, Louis Wirth
          5. O pensamento francês
              Henri Lefebvre e Manuel Castells
          6. Escola America - Los Angeles
              Michael Dear


Bibliografia:

BENEVOLO, Leonardo (1995), A cidade na história da Europa. Lisboa: Editorial Presença.
CRUZ, Manuel Braga da (2001), Teorias Sociológicas: Os fundadores e os clássicos (antologias de textos). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
FREITAG, Barbara (2006), Teorias da cidade. Campinas (SP): Papirus.
GIDDENS, Anthony (2000), Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
GOMES, Carina (2013), Cidades e Imaginários Turísticos: Um estudo sobre quatro cidades médias da Península Ibérica. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra: Tese de Doutoramento em Sociologia - Cidades e Culturas Urbanas.
HORTA, Ana Paula (2007), Sociologia Urbana. Lisboa: Universidade Aberta.
MELA, Alfredo (1999), A Sociologia das Cidades. Lisboa: Estampa.
RÉMY, Jean; VOYÉ, Liliane (1994), A cidade: rumo a uma nova definição?. Porto: Afrontamento. Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

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