A Cidade como objeto de estudo: Escolas de Pensamento sobre as Cidades - 5 - O pensamento francês

          1. Os Utopistas
              Thomas More, Robert Owen, Charles Fourier, Jean Baptiste Godin,
              James Silk Buckingham, Benjamin W. Richardson, Ebenezer Howard
          2. O pensamento alemão
               1ª Geração: Max Weber e Werner Sombart
               2ª Geração: Georg Simmel e Walter Benjamin
          3. O pensamento em Inglaterra
              Desenvolvido por pensadores alemães em Inglaterra: Karl Marx e Friedrich Engels
          4. A Escola Americana - Chicago
              Robert Park, Ernest Burgess, Louis Wirth
          5. O pensamento francês
              Henri Lefebvre e Manuel Castells
          6. Escola America - Los Angeles
              Michael Dear
 



Nos anos 1960, o pensamento urbano regressa à Europa, sobretudo a França. Aqui, a referência é Paris e, lateralmente, Londres. O problema fundamental que inquieta estes pensadores é o do Maio de 68 e a anomia que daí pode resultar.
Henri Lefebvre e Manuel Castells são as referências principais desta escola francesa que se ocupa dos direitos de acesso à cidade e aos seus serviços.
  
Henri Lefebvre (1901-1991)
Lefebvre estudou filosofia em Paris e entrou num grupo de estudo sobre Marx, dedicando-se à tradução e interpretação dos seus trabalhos.
Na década de 1970, passou a fazer uma sociologia do espaço urbano de matriz marxista. Contexto: finais dos anos 1960, Maio de 68, agitação social que ocorria, essencialmente, em meio urbano.
Abordou a questão urbana com base numa reflexão sobre a ocupação do espaço: estudou a expansão urbana da sociedade pós-industrial capitalista; fez um balanço negativo dessa urbanização; e ressaltou a incapacidade das autoridades públicas manterem a ordem nos grandes centros urbanos.
 
 
Por influência de Marx e Engels, Lefebvre defendia que categorias económicas tais como capital, força de trabalho, lucro, rendas, salários e exploração eram noções que se aplicam ao estudo das cidades, na medida em que via o desenvolvimento urbano como um produto do sistema capitalista, tal como qualquer outra mercadoria.
Ao analisar os padrões de desenvolvimento da cidade, sustentava que a atividade imobiliária, por exemplo, desempenha um papel fundamental no declínio, rejuvenescimento ou reabilitação de determinadas áreas da cidade:
→ Os padrões de crescimento da cidade não podem ser dissociados do capital.
→ O espaço está subordinado à lógica do capitalismo.
 
Lefebvre defendia que a Escola de Chicago teorizava pouco: descrevia mas não se preocupava com a teorização. Numa das suas obras mais importantes, "La production de l’éspace" (1974), pretendia desenvolver uma “teoria unitária do espaço”. Defendia que há vários espaços e que esses espaços estão articulados entre si:
- O espaço físico (meio físico envolvente); 
- O espaço mental (representações sobre o espaço); 
- O espaço social (práticas sociais no espaço).
 
Lefebvre sustenta que as teorias urbanas e as políticas de planeamento urbano devem ser entendidas como formas ideológicas. Por isso, devem ser questionadas e desconstruídas, através de perspetivas capazes de explicar o espaço como uma construção da lógica capitalista. O espaço não é um simples recetáculo social; é o resultado de uma tríade espacial.
 
Três categorias essenciais de Lefebvre:
  • Práticas espaciais: são as práticas sociais que têm lugar no espaço. Trata-se de práticas que estruturam a realidade do dia-a-dia e que estão relacionadas com formas de percepção do mundo, do espaço vivido e concebido.
  • Representação do espaço: é o espaço pensado, concebido, representado; a sua forma mais elementar é um mapa. Mas é também o espaço representado em teorias produzidas por profissionais, técnicos, urbanistas, arquitectos, engenheiros, etc. Estas representações inscrevem-se em relações de poder.
  • Espaço de representação: trata-se de uma representação simbólica do espaço; as formas como o espaço é cultural e simbolicamente pensado. É o espaço que se constitui a partir de um conjunto de imagens e símbolos que se articulam com a experiência do espaço físico e geográfico.
Segundo Lefebvre, “o espaço é uma construção social”. “O espaço é socialmente construído”. O espaço é a sociedade; não são duas entidades separadas em que uma (sociedade) determina e a outra (espaço) é determinado.
 
Para além desta linha teórica, sobre a constituição e as especificidades do espaço, Lefebvre desenvolveu outra, a do direito à cidade, nomeadamente o direito de residir na cidade e de usar a cidade. A ideia do direito à cidade surge contra a exclusão social. Trata-se de uma linha mais política do que a anterior, que é mais sociológica.
 
Lefebvre defendia que o habitante urbano deveria ter direito à cidadania, como complemento do direito à diferença e do direito de acesso democrático à informação. Referia-se aos direitos à educação, ao trabalho, à cultura, ao descanso, à saúde e à habitação.
 
Lefebvre influenciou vários pensadores, entre eles: David Harvey, geógrafo britânico e Manuel Castells, geógrafo espanhol, que desenvolveu trabalho em Paris.
 

 
Manuel Castells (1942-)
Nasceu em Espanha e foi militante nos movimentos urbanos contra a ditadura de Franco. Foi perseguido pelo seu ativismo político e foi obrigado a procurar refúgio político em França.
A sua atuação política durante o Maio de 68 valeu-lhe a expulsão de França. Emigrou, depois, para os EUA.
O seu primeiro livro importante foi "La Cuéstion Urbana" (1972), um livro claramente marxista. 
Esta obra constitui uma das críticas mais devastadoras às teorias urbanas desenvolvidas até à década de 1970. Por outro lado, oferece novas perspetivas de análise e de reflexão sociológica sobre a cidade capitalista contemporânea. 
A crítica principal de Castells residia na ideia de que a sociologia urbana, enquanto disciplina científica, não possuía um objeto teórico específico. Dirigia as suas críticas para a falta de fundamentação teórica que, a seu ver, caracteriza as perspetivas culturalistas de Louis Wirth ou as abordagens evolutivas do desenvolvimento urbano de Robert Park.
 
"O que caracteriza a sociologia urbana é exatamente a ausência de delimitação precisa do seu objetivo real. Efetivamente, quando se fala de indústria designa-se um certo tipo de atividade produtiva, quando se fala de educação quer-se fazer referência a um conjunto de processos de aprendizagem, socialização e seleção institucionalmente estabelecidas, etc. Mas, o que é o urbano? […] Com efeito, se se estudam, sob a mesma etiqueta as “classes sociais urbanas”, a burocracia “urbana”, a política “urbana”, os tempos livres, as relações de amizade, os transportes e os seus problemas, etc., é porque se considera que todos estes fragmentos da vida social são próprios de um novo tipo de sociedade, de uma espécie de “nova forma de vida” urbana […]. Nesse caso, a sociologia urbana seria, nem mais nem menos, a sociologia da sociedade “moderna”, da sociedade de massas." (Castells, 1972)
 
A par desta crítica, Castells tenta reformular o campo teórico e empírico da sociologia urbana. Uma mais-valia deste livro é o trabalho de definição de vários conceitos: Cidade; Urbanização; Urbanização selvagem; Formas espaciais; Espaço.
 
As ideias centrais de La Cuéstion Urbana podem resumir-se nos seguintes pontos:
  1. As problemáticas urbanas são centrais nas nossas sociedades.
  2. Essas problemáticas foram tratadas de forma ideológica nas ciências sociais, mas há que reconhecer os problemas concretos na cidade e procurar categorias adequadas para analisá-los.
  3. O marxismo não forneceu essas categorias.
  4. O papel central do Estado, no actual processo de urbanização, exige uma teoria capaz de integrar a análise do espaço com as lutas sociais e os processos políticos. Por isso a referência ao marxismo é essencial, não como conclusão mas como ponto de partida.
Na sua reformulação teórica, Castells propõe um novo objeto teórico – o processo coletivo de consumo, para se referir ao facto de a cidade ser, para si, um lugar de consumo mais do que um local de produção, como era na época industrial.

 
Atualmente, Castells é o autor da cidade informacional, da cidade das tecnologias.
A revolução tecnológica centrada nas tecnologias da informação, a economia global e os movimentos sociais e culturais são, segundo Castells, as características dominantes de uma nova sociedade – a Era da Informação. A Era da Informação está a introduzir uma nova forma urbana, a cidade informacional.
A cidade informacional desenvolve-se em torno de fluxos – de capital, de informação, de tecnologia, de imagens ou de símbolos. Nesse sentido, introduziu a noção de espaços de fluxos.
Espaços de fluxos são vias comuns de comunicação que permitem a simultaneidade de comunicações em espaços geograficamente afastados. Na era da globalização, estes espaços permitem que as cidades se liguem em redes, numa conjugação de interesses. As cidades já não existem isoladas.

 
Castells descreve o espaço de fluxos em termos de três vetores principais:
  1. O circuito de impulsos eletrónicos (telecomunicações, processamento de computadores, sistema de telecomunicações e transporte em alta velocidade, com base em tecnologias de informação);
  2. Centros de importantes funções estratégicas e centros de comunicação. Há lugares mais importantes do que outros. “O espaço de fluxos não é desprovido de lugar, embora a sua estrutura lógica o seja. Está localizado numa rede eletrónica, mas essa rede liga lugares específicos com características sociais, culturais, físicas e funcionais bem definidas. […] Os centros de comunicação seguem uma hierarquia organizacional de acordo com o seu peso relativo na rede. Mas essa hierarquia pode mudar conforme a evolução das atividades processadas através da rede. Em alguns casos, certos locais podem ser desligados da rede o que resulta num declínio imediato e, portanto, em deterioração económica, social e física” (Castells, A Era da Informação).
  3. Organização espacial das elites administrativas. Estas elites exercem funções diretivas em torno das quais o espaço é articulado. Onde estão as elites? “A elite empresarial tecnocrata e financeira que ocupa posições de liderança nas nossas sociedades, também terá exigências espaciais específicas, relativas ao suporte material/ espacial dos seus interesses e práticas.”

Nesta nova sociologia urbana, os processos de globalização e de reestruturação económica constituem o pano de fundo para análise de novos processos de urbanização e de novas culturas urbanas. Se antes o pano de fundo era a Revolução Industrial, os processos de urbanização e o capitalismo, agora é a globalização e a reestruturação económica:
Modernidade →→→ Pós-modernidade

Este momento de retorno da sociologia urbana à Europa é crucial. Foi a partir daqui que os temas da sociologia urbana se expandiram e multiplicaram.
 
Bibliografia:
 
FREITAG, Barbara (2006), Teorias da cidade. Campinas (SP): Papirus.
HORTA, Ana Paula (2007), Sociologia Urbana. Lisboa: Universidade Aberta.
MELA, Alfredo (1999), A Sociologia das Cidades. Lisboa: Estampa.
RÉMY, Jean; VOYÉ, Liliane (1994), A cidade: rumo a uma nova definição?. Porto: Afrontamento.
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