Património Industrial em Guimarães

Guimarães não é só cultura! Também é Património Industrial...

No passado dia 14 de fevereiro decorreu a cerimónia de apresentação e lançamento do novo projeto Guimarães MARCA que, segundo a autarquia local, "tem como principais objetivos a diversificação da oferta turística do concelho de Guimarães e da região, a criação de um novo produto turístico para Guimarães e a dinamização do sector empresarial, através da divulgação e venda dos seus produtos ao turista / visitante". 


Para já, integram este projeto um grupo ainda restrito de empresas e produtos, desde o calçado e a roupa interior, os têxteis para o lar, até às cutelarias. Projeto bastante diversificado, portanto. A promoção deste novo projeto de turismo assentará num conjunto de meio, mais ou menos estandardizados, em língua portuguesa e inglesa, a serem disponibilizados nos Postos de Turismo do aeroporto e da Região Norte, nas feiras de turismo e nas visitas educacionais a jornalistas.
Mais interessante do que este anúncio da Câmara Municipal de Guimarães é, no entanto, a leitura que dele faz a Turisver:

"A Câmara Municipal de Guimarães apresentou ontem um novo roteiro turístico dedicado ao património industrial, sob o nome “Guimarães Marca”, um novo produto turístico que pretende mostrar que a oferta turística da cidade não se resume apenas à cultura.
O novo produto turístico vimaranense resulta de uma parceria entre a autarquia e nove empresas instaladas no concelho, entre empresas de cutelaria, têxteis, vestuário e calçado.
“Guimarães é conhecida como um destino cultural de excelência mas não somos apenas cultura e património. Somos também uma cidade que se afirmou pela qualidade e pela valia do tecido empresarial", explica Amadeu Portilha, vereador do Urbanismo de Guimarães.
De acordo o responsável, este roteiro industrial pode servir como um complemento aos visitantes que se deslocam a Guimarães em negócios, sendo visto como uma “janela de oportunidade”.
A primeira fase do “Guimarães Marca” arrancou com a adesão de nove empresas do concelho, nomeadamente a Babez, a Comport, a Kyai,a Jam, Jobarros e a Luipex, na área do vestuário e calçado, a que se juntam ainda as empresas de cutelaria Cutipol e Herdemar, bem como a Lameirinho e a Sampedro, que representam a área têxtil.
I.M.
16/02/2012"

Trata-se assim, de um projeto cujo principal objetivo é mostrar que Guimarães que, por acaso, é Capital Europeia da Cultura em 2012, afinal não é só cultura. Disso é exemplo, aliás, a já aceite pré-candidatura de Guimarães a a Cidade Europeia de Desporto 2013. Ainda na página eletrónica da Autarquia, pode ler-se que:

"A conseguir este título de Cidade Europeia do Desporto, Guimarães será a primeira cidade portuguesa a obter essa designação e será a base internacional para outras candidaturas que de agora em diante surjam no panorama nacional."

A estratégia de Guimarães como cidade a expor-se ao exterior passa, assim, por um projeto de cidade que sempre foi cidade histórica - uma das mais importantes na história do país, não fosse (ou assim a promovem) a cidade berço. À imagem de cidade histórica veio aliar-se o forte e valorizado reconhecimento europeu de Guimarães como cidade de cultura - a Capital Europeia da Cultura. Mais do que cidade histórica e cultural, Guimarães parece querer, agora, ser também uma cidade com um importante património industrial e, não ficando por aqui, cidade importante do ponto de vista do desporto - a confirmar-se, será Cidade Europeia do Desporto.
Ora, diz a teoria, que uma das maiores dificuldades existentes nas estratégias urbanas de valorização dos seus recursos, na re-invenção e consolidação de imagens de cidade e, de resto, na definição de projetos amplos de cidade, reside na obtenção de consensos locais, social e politicamente alargados - ou seja, na re-construção de um imaginário de cidade, que seja coerente com a sua história e o seu passado e com que, coletivamente, a própria cidade se identifique.
Por outro lado, e embora a diversificação da oferta seja de extrema importância para qualquer cidade que se queria afirmar como turística, é conveniente que as imagens promovidas não sejam de tal forma diversa que, em vez de identificarem a cidade através de elementos fortes, estruturados e coerentes de uma identidade urbana historicamente consolidada, confundam quem a procura.



Comentários

  1. O texto sobre o “Património Industrial em Guimarães” suscita uma reflexão sobre um fenómeno que pode ser definido como “cidades em busca de uma identidade”. Assim como está a ocorrer em Guimarães, cidades como Almada em Portugal e Fortaleza no Brasil, estão a vivenciar uma necessidade de identificação por meio de uma MARCA. Em Almada diversos projetos de requalificação foram apresentados nos últimos anos como parte de uma estratégia da Câmara Municipal para o desenvolvimento do turismo. Os decisores políticos dessa cidade acreditam que o potencial turístico de Almada está na qualificação e valorização da vista para o Rio Tejo e para a cidade de Lisboa, no desenvolvimento de indústrias criativas, no “quarteirão das artes” e também no turismo religioso, especialmente relacionado ao Cristo Rei. Porém, além dessas “marcas” a ideia de uma “cidade amiga do ambiente” e de uma “cidade do futuro” apresentada no projeto “Almada Nascente - Cidade da Água” também compõem a estratégia de consolidação da identidade de Almada como uma cidade turística. Essas estratégias têm também o papel de romper com a imagem de Almada como uma cidade industrial ou uma cidade operária. No caso de Fortaleza o polémico projeto do “Aqcuario Ceará” também tem a aspiração de diversificar as ofertas turísticas dessa cidade. Com o objetivo de superar a imagem do “turismo sexual” e oferecer ao visitante muito além de “sol e praia” esse projeto busca construir a identificação de Fortaleza como uma cidade turística com lazer, cultura e conhecimento. Porém, assim como é tão bem apresentado no texto sobre Guimarães, em Almada e em Fortaleza a diversificação de ofertas que os projetos oficiais apresentam está dissociada dos discursos da maioria dos habitantes, que muitas vezes não reconhecem a legitimidade desses projetos como factores que possam influenciar na “re-construção de um imaginário de cidade, que seja coerente com a sua história e o seu passado”.

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  2. Rose,
    obrigada pelo contributo. Era precisamente essa ideia, de cidades que "desesperadamente" buscam a revalorização das suas imagens, que pretendi transmitir com este pequeno texto. O teu comentário ajudou ao esclarecimento dessa ideia, até pelos dois casos empíricos, de duas realidades distintas, que apresentaste.
    O caso de Fortaleza, eu já o conhecia do teu trabalho. Quanto a Almada, fiquei verdadeiramente surpreendida com a quantidade e a diversidade de intervenções e projetos para a cidade. Projetos que têm a intenção de criar uma identificação de Almada com dimensões tão díspares como as artes e a criatividade, a religião, o ambiente, o futuro. Não será de estranhar que não estejam reunidos os tais consensos locais de que falei no texto.
    Esta questão também é visível na cidade de Coimbra, como sabes. Embora uma das marcas identitárias mais vincadas da cidade esteja relacionada com a Universidade e, por arrasto, com o conhecimento, os estudantes, os doutores e o fado, creio que uma parte substancial dos habitantes da cidade - aqueles que não participam da cidade turística nem integram os roteiros turísticos mais promovidos e muito menos a universidade - não se revêm minimamente nesta conceção de cidade. E neste caso, sabemos, esta imagem está profundamente enraizada na história da cidade - o que nos diz que estes processos que envolvem a promoção turística de uma cidade e, para esse efeito, a re-criação dos seus imaginários, são bastante mais complexos do que a forma como decisores, políticos e gestores urbanos os apresentam.

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